Entender as relações do jornalismo com sua audiência e a relação dos programas populares com sua audiência faz parte de coisas inexplicáveis, assim como se perguntar o que nasceu antes , o ovo ou a galinha.
Um dos principais ensinamentos das faculdades de jornalismo é a isenção. Diversos teóricos são citados, textos são estudados para tentar fazer com que o acadêmico entenda: a isenção é a receita para um jornalismo ético.
Porém, desde cedo todos aprendemos que a isenção não existe, ainda mais em tempos nebulosos de censura como vivemos hoje. E a pergunta é: qual o limite disso? Havia uma professora de sociologia (que Deus quis levar junto dele para que ela explicasse melhor a ele suas teorias, afinal Deus é Deus e ele tem lá sua vantagens)chamada Yeda que dizia o seguinte:
– No jornalismo sério você tem que ter a capacidade de ver o seu melhor amigo de infância, aquele que você considera como irmão, ser objeto de uma investigação e por mais que os fatos não lhe sejam favoráveis, você deixar tudo isso de lado e fazer uma matéria isenta.
A pergunta é: é possível?
Não sei é a minha resposta, pouco provável é a minha reflexão, impossível é a realidade. Um exemplo disso aconteceu pessoalmente comigo hoje pela manhã. Perto das 08h, zapeando entre o jornalismo certinho da Globo e o mundo cão da Band fui pego com uma logo de exclusivo no canto superior da tela, uma imagem cheia de efeitos mostrando vários policiais invadindo uma casa.
Ao entrarem gritando “polícia!”, vi um homem de cuecas brancas sendo retirado a força da cama e em seguida sendo algemado, abaixo dele, uma criança, sua filha, chorando desesperada pedindo o colo do pai. Uma cena forte que se repetiu durante a matéria. A mulher do cidadão tentava em vão consolar a filha enquanto dizia que “agora” o rapaz era honesto e apresentava a carteira de trabalho.
A discussão não é essa. Para efeito de curiosidade dos nobres leitores, o homem era um jovem que fora preso por assalto a mão armada e quando soube da morte da mãe fugiu da Penitenciária de Piraquara e para lá não pretendia voltar. Arrumou emprego, voltou a morar com a mulher e com a filha que o tinha como “pai”.
Era mesmo necessário ter mostrado essa cena? A audiência do programa não ficaria satisfeita em ver a polícia (que aliás somente cumpriu o seu papel e não teve culpa nenhuma nisso) entrando na casa e depois saindo com o preso? Não teria poupado o apresentador (que aliás é um ótimo showman) do constrangimento de tentar explicar o choro daquela criança, bradando que o individuo era bandido e que nós telespectadores passivos não devíamos ficar com dó dele?
Entender a distância da censura a imprensa aos excessos da imprensa, faz parte de uma discussão ampla que me reservo o direito de defender a liberdade em todos os sentidos, porém, me coloquei no lugar daquela criança, que poderia ter sido a minha a filha, que não tinha culpa dos erros do pai, mas ainda assim foi exposta ao trauma de ver o seu herói algemado e ao choro desconsolado da impotência.
Que vida triste temos nós, que deixamos passar coisas como estas enquadrando-as no balaio do “normal”.