João e Miguel eram amigos desde a adolescência, as famílias se conheciam, viraram padrinhos de casamento ou do outro. Faziam churrasco, tomavam cerveja e viam futebol juntos, ainda que um fosse coxa-branca e outro athleticano.
Quando um time ganhava do outro, ficavam de “bico” entre si, e tudo passava com a capa da Tribuna de segunda.
Chegou 2013.
João estava empregado, ganhava bem e achava que tudo estava certo com o país.
Miguel acabara de perder o emprego e achava um absurdo o país receber a copa do mundo e lembrava que, ao contrário do que Ronaldo dizia, o país precisava mais de hospitais do que estádios.
Brigaram por política pela primeira vez.
Brigaram no churrasco.
Brigaram no jantar.
Na saída da missa.
No aniversário do Enzo, filho mais velho do João.
Chegou 2018.
João se indignava sobre haver a possibilidade de haver um candidato preso.
Miguel, achava que estava tudo bem, que o preso fora vítima de um conluio.
No domingo tinha churrasco.
João desmarcou.
Enzo fez aniversário de novo, Miguel não foi.
Domingo, 14h33 no Facebook João solta a indireta:
”quem não em argumento não aparece para discutir”.
Domingo, 15h19, também no Facebook, Miguel se sente atingido.
”Quem apoia bandido, bandido é. Não me junto com bandido”.
No dia D, Miguel, crente da vitória, convida João.
João, crente da vitória, aceita o convite.
João acha que venceu.
Miguel se sente roubado.
A discussão começa.
A amizade acaba.
2020
João perde a esposa para a Covid.
2021
Miguel perde a esposa para a Covid.
João e Miguel estão de lados opostos.
Miguel e João sentem saudades um do outro, mas não querem dar o passo decisivo da reconciliação.
2023
Ambos estão sozinhos e magoados.
2024
João morre, a idade chegou.
Miguel sente-se sozinho, magoado e arrependido.
2025
Miguel continua sozinho ainda defendendo as mesmas ideias. Agora acha que se desvincular dessas crenças nada teria valido a pena.
O que Miguel não sabe:
Nada valeu a pena.
Se você é Miguel ou João.
Pare de perder tempo com besteiras.
O amanhã simplesmente não existe.
Se existisse, “eles”, “aqueles” ainda estariam rindo, enquanto você estaria se remoendo por “absolutamente nada”.