Desde que eu me lembro, sempre tive como meta o jornalismo. Sempre brinquei de jornalismo, fazia jornais com a mão, até que aos poucos fui publicando meus próprios jornais “de verdade” e fiz disso uma profissão. Lembro também do primeiro processo, esse a gente nunca esquece, e um me desculpem os novatos, mas jornalista de verdade tem que incomodar os poderosos a ponto deles tentarem te calar pelo dinheiro, aqui representado pelos processos.
Hoje, estou mais longe desse mundo, cuido de comunicação mas não de jornalismo, porém, ele ainda me é caro. Acompanho curioso cada movimento que esse xadrez complicado do poder dá, acompanho ainda mais de perto, por força do ofício, a tecnologia e posso afirmar para vocês, claro, dentro da ignorância de hoje, que é menor do que a de ontem e muito maior que a de amanhã:
Estamos fazendo uma conta alta demais para o futuro.
Vou explicar, calma. No comércio, algo muito comum quando se desconfia que alguém está roubando é: deixe mais coisas à vista para serem roubadas, acompanhe, flagre, demita e ponto final, ou seja, cada vez dê mais corda para que se enforquem sozinhos.
O que estamos hoje? Temos muita corda. Caíram do céu?
Não.
Tudo que está a nossa volta tem motivos específicos, atendem a propósitos muitas vezes não republicanos, não passamos de peões em um intrínseco jogo que de fato, não jogamos. Com a tecnologia nos foi ofertada a “liberdade”. Não precisamos mais destes “abutres” da imprensa para nos dizer o que está acontecendo no mundo, basta eu me conectar ao Facebook. Nada mais será como antes, agora nós, o povo, temos poder.
É verdade. Agora, troque a palavra poder pela palavra corda.
Ganhamos muita corda e ninguém está reclamando. Junto com a corda veio também um presentinho que faz toda a diferença, e esse é dificil de explicar, assim como tudo que não querem que a gente entenda. Chama-se algoritmo.
É basicamente o seguinte:
Junte um povo que lê muito pouco (o povo do mundo inteiro), dê a ele algo muito legal, que faça você encontrar os amigos, distribua fartamente a noção de que toda a imprensa atende aos propósitos dos poderosos e não aos seus, unam-se em comunidades para protestar contra isso e acrescente o ingrediente final: o algoritmo.
O algoritmo pode ser milhares de coisas, mas neste caso é uma programação usada em 9 a cada 10 redes sociais que faz o seguinte: mostra pra você aquilo que potencialmente você quer ver. Por exemplo, você gosta de futebol, na sua timeline irá surgir muito futebol, e quanto mais você interagir com o algoritmo “futebol” mais futebol irá aparecer, é simples, é genial.
Agora, troque “futebol” por, sei lá, PT, PSDB, Dilma, Bolsonaro, ou qualquer outro assunto polêmico. Adivinha o que irá aparecer na sua rede? Sim, aquilo que você mais gosta e interage. Vamos ao exemplo mais recente. Eleições 2014. Quantas vezes você ouviu ou leu:
– Não conheço ninguém que disse que iria votar na Dilma, como ela pode ganhar?
Agora você já sabe o motivo, nosso “amigo” algoritmo fez o trabalho de “esconder” os eleitores da Dilma de você, então, só apareceram os pimpolhos que votavam no Aécio.
Mas se assim fosse, apenas opiniões, ok, quem daria bola? Mas, amigos, temos as queridas Fake News. Sim, elas, as famigeradas notícias falsas. Elas já são mais de 50% dos links de opinião compartilhados. Fake News é antigo, usado desde sempre, mas nunca teve tanta penetração graças ao que hoje chamamos de algoritmo.
O algoritmo, aliado a fake news representa hoje, na opinião deste humilde escriba, a maior ameaça a liberdade de imprensa, liberdade de expressão e jornalismo livre que o mundo já viveu. Está cada vez mais fácil condenar a fake news e a partir daí arrumar desculpas para termos a imprensa oficial (alguém falou 1984 e o ministério da verdade?). Pensa comigo, se estamos vivendo em um mundo onde não sabemos mais o que é verdade e o que não é, que tal termos um departamento público dizendo para você em quem ou em o quê acreditar? É lógico, é seguro, e claro, os governos garantem que não irão censurar nenhum tipo de informação. O que lhe parece?
Qual é a solução? A curto prazo? Nenhuma. Isso também torna a solução de longo prazo impossível. O ser humano se adapta muito rapidamente as situações, e rapidamente vamos nos acostumar ao fim da privacidade em nome da nossa segurança. Emails hackeados pelo governo? Claro, vá em frente. Ligações monitoradas, certo, peguem os caras maus. Imprensa censurada, go! Tudo em nome da “verdade”.
Nós somos assim.
Se já não fosse ameaça suficiente temos o inimigo de sempre: o dinheiro. Sim, o dinheiro compra tudo, incluindo o veículo que ousar ir contra o status quo, incluindo o blog que publique algo “impublicável”. Mas não pense que funciona como uma transação comercial normal, não. Eles são sórdidos e agem nas sombras, ao menos até a velha e tradicional imprensa descobrir o que há de verdade no caso.
Não esqueçam, todos sempre negam em um primeiro momento até que os fatos concordam por eles. Foi assim com Nichoson e o famoso Watergate, foi assim com Collor e a Elba e mais uma centena de exemplos em que a imprensa, ninguém mais senão a imprensa livre descobriu e noticiou.
Vejamos a terra da liberdade. Um blog de reputação bastante questionável publicou um vídeo de um famoso lutador de vale tudo, aqueles vídeos, íntimos, pelados, sexo, enfim, você já entendeu. O que aconteceu, o cara processou a publicação e ganhou 200 milhões de dólares.
Ah, Ediney, você está defendendo que os jornalistas não responsabilizados por seus atos? Não, não é isso, inclusive chamei a publicação de questionável.
Mas vamos aos fatos jornalisticamente falando:
Era verdade? Sim.
Tinha interesse público envolvido? Se fosse apenas o vídeo de sexo, não. Mas o vídeo continha o que de verdade pensava aquele lutador, eram coisas racistas, misóginas e homofóbicas. Além disso, ele era embaixador da boa vontade, ou seja, a opinião dele contava e muito.
Mas, e sempre tem o “mas”, a história não acaba aqui. Descobriu-se que na verdade, quem bancou todo o processo do lutador que enfrentava problemas financeiros era um milionário da internet, que usou o processo de terceiros para se vingar de uma nota que a publicação dera anos luz no passado sobre ele.
Não se enganem, é tudo sobre o dinheiro.
Eu até terminaria esse texto com conselhos sobre ler a matéria, conferir a fonte, ver a credibilidade do jornalista e investigar, mas definitivamente, quem precisa destes conselhos não chegará até este parágrafo, afinal, como eu disse no começo deste artigo, as pessoas não leem e o algoritmo não deixará que isso se espalhe. Prepare seus filhos, eles pagarão essa conta no futuro, bem próximo.