Recentemente vivi uma daquelas experiências que ninguém gosta de viver, o arrependimento. Uma querida tia, com síndrome de down, ficou muito doente até que hoje, faleceu, e evidentemente o arrependimento se dá pelo pouco tempo que vivi com ela. Ela faleceu com 47 anos, tenho 36, ou seja, poderia ter vivido muito mais, dado muito mais atenção, tê-la mimado, era uma criança.
Arrepender-se faz parte do ser humano, porém é um sentimento inútil, só serve para te deixar mal, para baixar suas onda cerebrais, e se você acredita nisso, para fazer você vibrar com espíritos nada bons, mas faz como para ter esse tipo de sentimento? Minha tia, essa criança especial em tudo representava um passado que eu deixei de lado, apesar de amar ela, de verdade, eu, pouco fiz para mantê-la por perto. É como uma lembrança, ela estava lá e poderia ser acessada, não está mais e agora, desta ligação do passado, pouco resta.
Lembro com uma saudade adolescente de quando ela e minha avó que faleceu há muitos anos vinham nos visitar, era uma festa. A Fia, como a chamávamos era capaz de decorar todos os personagens de uma novela, todos os enredos e falar sobre eles por anos, você poderia perguntar qual era o nome do ator X na novela Y que ela lembrava. Era meiga, engraçada e carinhosa, ainda assim, ela ficou distante, eu a deixei distante. Por quê? Não sei. Sempre tive notícias dela, boas notícias e isso me confortava, era se como ela não precisasse de mim, e é verdade, ela não precisava, eu precisava dela, precisava para lembrar o que eu era, de onde vim.
Neste turbilhão de notícias ruins, algo me surpreendeu, e talvez tenha me surpreendido porque estive distante e na verdade sempre foi assim, eu que não lembrava ou mesmo sabia. Eu tenho uma família, daquelas grandes de tios, primos, etc. Nesta curta convivência do hospital reencontrei a maioria deles, vi que todos estão bem e vi que se ajudam, se conhecem, se visitam e se amam. Foi muito reconfortante. E talvez como uma destas promessas que a gente faz quando algo ruim acontece, talvez porque sempre senti falta disso e não sabia, promete mantê-los por perto. Como uma homenagem ao meu passado, como uma homenagem à Fia que os amava tal qual uma criança ama seus pais. Ela tinha muitos pais e mães e eu sou muito grato por isso.
São pessoas que a amavam, que ajudavam a cuidar dela, uma criança de 47 anos e que apesar do amor, era uma criança de 47 anos. Minha tia, meus tios que lutaram até contra os prognósticos médicos, não perderam a esperança, minha prima Talita que uniu e organizou todos. Obrigado. Vocês me lembraram o que é família.
Obrigado, Fia, por todo tempo que esteve conosco, perdão por não estar mais tempo com você e sinto muito não poder te levar à praia como prometi no hospital. Quando prometi realmente achava que você iria operar, reclamar e sair dali junto conosco para o próximo capítulo da novela. Acredito piamente que você está em um plano espiritual melhor e maior. Não importa a religião, todos imputam aos downs o codinome anjo, e foi isso que você foi, um anjo. Muito obrigado.