Divisão de culpas
Dono de blog responde por comentário dos leitores
por Aline Pinheiro
O que todos os usuários responsáveis da internet temiam aconteceu: a Justiça condenou o dono de um blog a pagar indenização a um cidadão que se sentiu ofendido por comentários feitos por um leitor da página.
O problema que desabou nas mãos da Justiça de São José dos Campos levantou uma questão em torno da liberdade de expressão e de quem é o responsável por esse direito. Na internet, qualquer um pode abrir um site e dizer o que bem entender. Basta saber que será responsabilizado por qualquer infração, civil ou criminal, que cometer com as suas palavras. No caso dos blogs, o problema é maior. O dono do site, em geral, abre um espaço para os leitores discutirem e, dificilmente, monitora minuto a minuto. Nesse ínterim, pode ser pego desprevenido e responsabilizado por ofensas ditas pelos leitores.
Foi o que aconteceu com Fernando Gouveia, dono do blog Imprensa Marrom. Ele foi condenado a pagar 10 salários mínimos (o equivalente hoje a R$ 3.500) para o empresário João Pedro Caiado de Castro. O motivo: Castro considerou ofensivo um comentário deixado por um leitor do blog. A decisão é da juíza Ana Paula Theodosio de Carvalho, de São José dos Campos, provavelmente uma das primeiras a decidir sobre a questão.
Por causa do tal comentário, o blogueiro foi obrigado a retirar seu site do ar durante um tempo. Na sua página, ele dá a sua versão do que aconteceu e afirma: blogueiros, retirem a parte aberta para comentários do site. Ou seja, acabem com a liberdade dos leitores de dizer o que bem entendem. Ele próprio fez isso no Imprensa Marrom.
Questão de lei
Não há uma lei que trate sobre blogs, muito menos jurisprudência sobre um assunto que tem menos de cinco anos. “A matéria é nova e carece de reflexão”, explica Alexandre Fidalgo, especialista em Lei de Imprensa. Mas, na comunidade jurídica, o entendimento parece caminhar no sentido de aplicar as mesmas regras da Lei de Imprensa. Em caso de jornais, por exemplo, o dono é responsável pelo conteúdo publicado. Em caso de ação civil, responde solidariamente com o autor do texto (se este estiver assinado). Já ação penal só pode ser proposta contra o autor.
Especialistas ouvidos pela Consultor Jurídico acreditam que a mesma regra tem de ser aplicada no caso dos blogs, assim como fez a juíza no caso do Imprensa Marrom. Muitos entendem, no entanto, que primeiro o blog tem de ser notificado para retirar o conteúdo ofensivo e, caso não obedeça, aí sim pode ser responsabilizado.
A advogada Patrícia Peck Pinheiro, especialista em Direito Digital, explica que, uma vez condenado a pagar indenização, o dono do blog pode cobrar o prejuízo do autor do comentário. A dificuldade, neste caso, é descobrir quem é o autor. O anonimato possível nas páginas da internet é uma proteção para difamadores, caluniadores e outros criminosas das palavras e das imagens. Mas essa proteção não é total. Os servidores são capazes de identificar os últimos acessos dos blogs hospedados neles e de dizer qual o IP (número de registro do computador na internet) da máquina.
“É importante que as pessoas saibam que as máquinas são testemunhas e, portanto, não podem se recusar a prestar essas informações”, diz Patrícia. “Caso contrário, o servidor pode ser responsabilizado por dificultar a investigação.”
Como ação penal só pode ser proposta contra o autor do crime, dificilmente o blogueiro responderá criminalmente pela atitude de um comentarista. Mas, se não for capaz de identificar o autor, corre o risco sim de ser processado criminalmente. “Se não identificar o autor do crime, pode responder a ação penal sim”, defende o advogado Luiz Camargo Aranha Neto, especialista em Lei de Imprensa.
24 horas no ar
Antes, as frases criminosas eram escritas em diários de papel, privados e trancados com chave. Com a internet, esses pensamentos tornaram-se públicos e a população ainda não está de todo conscientizada das conseqüências de uma frase racista, por exemplo, deixada na internet. Para que os blogueiros se previnam desse despreparo, a solução — ou pelo menos uma delas — é monitorar os comentários deixados nos blogs.
“Realmente, não se pode ter controle sobre o que será comentado por terceiros, mas o dono do blog tem de estar constantemente atento ao que sobe à rede”, aconselha o advogado Nehemias Gueiros, especialista em tecnologia da informação.
Em blogs pequenos, em geral feitos por uma pessoa só, não dá para monitorar o que os leitores escrevem 24 horas por dia. O jeito, então, é se resguardar pedindo cadastro dos comentaristas. “É interessante que os blogueiros elaborem um termo de uso deixando claro as intenções do site, condições de utilização e se eximindo da responsabilidade por opiniões de terceiros”, orienta Omar Kaminski, advogado especialista em tecnologia da informação. “Não devem permitir comentários anônimos, uma vez que a Constituição veda o anonimato e tal ato dificulta a localização do autor.”
Mesmo assim, deixar o site aberto a comentários é um risco. Enquanto não há jurisprudência sobre o assunto nem lei que regulamente a matéria, fica difícil prever como cada juiz decidirá. Fernando Gouveia, blogueiro do Imprensa Marrom, preferiu não correr o risco. Aboliu a parte de comentários. Talvez, seja esse o caminho.
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